Às vezes duvido se
uma vida calma e tranquila
teria sido conveniente para mim — e no entanto
às vezes anseio por isso.
Demorei demais para perceber que anos e relacionamentos perdidos não
podem ser recuperados, que o mal que se faz a si mesmo e aos outros nem
sempre pode ser corrigido e que libertar-se do controle imposto pela
medicação perde seu significado quando as únicas alternativas são a morte e
a insanidade.
A
doença maníaco-depressiva deforma o estado de humor e os pensamentos,
estimula comportamentos aterradores, destrói a base do pensamento racional
e, com enorme frequência, solapa o desejo e a vontade de viver. É uma doença
biológica nas suas origens, mas que dá a impressão de ser psicológica na
vivência que se tem dela; uma doença sem par no fato de proporcionar
vantagens e prazer e que, no entanto, traz como consequência um sofrimento
quase insuportável e, não raramente, o suicídio. Tive a felicidade de não ter morrido dessa doença.
Estou cansada de me esconder, cansada de
energias desperdiçadas e emaranhadas, cansada da hipocrisia e cansada de
agir como se eu tivesse algo a esconder. Cada um é o que é, e a
desonestidade de se esconder atrás de um diploma, de um título ou de
qualquer forma e reunião de palavras ainda é exatamente isso: desonesta.
Necessária, talvez, mas desonesta.
Eu, em vez disso, considerava a
escuridão uma perfeita estranha. Por mais que ela se instalasse na minha
mente e na minha alma, ela quase sempre me parecia uma força externa, em
guerra com meu eu natural.
Tinha a crença absoluta de que o que importa não são
as cartas que recebemos no jogo da vida, mas nosso modo de jogar com
elas.
Como se confirmou milhares de vezes
desde então, minha curiosidade e meu temperamento me levaram a lugares
com os quais eu realmente não tinha condições emocionais de lidar; mas a
mesma curiosidade, aliada ao lado científico da minha cabeça, gerava uma
estrutura e um distanciamento suficiente para permitir que eu me controlasse,
me desviasse, refletisse e seguisse em frente.
Logo descobri que não era só meu pai que era dado a humores
sinistros e caóticos. Quando eu estava com dezesseis ou dezessete anos, já
estava claro que minhas energias e meus entusiasmos podiam deixar
exaustas as pessoas ao meu redor; e que, depois de longas semanas de voos
altos e pouco sono, minha cabeça dava um mergulho na direção do lado
realmente escuro e taciturno da vida.