Let's travel?

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Entre sem bater.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

DE MAIS NINGUÉM.

Era impressionante como ela adorava olhar para o próprio umbigo. E encarar os próprios olhos, e afagar os próprios cabelos. Gostava de ocupar-se de si mesma. Alimentava-se das próprias entranhas. Quando supostamente amava alguém, estava se amando em alguém. Pegava as pessoas emprestadas. Fazia o bem para que isso a fosse retribuído. Acariciava para ser acariciada. Enfrentava o espelho. Era capaz de passar o resto da vida na frente de um espelho. Analisava-se por horas. Sentia prazer nisso. Vagarosamente se cuidava. Arrumava os cabelos fio por fio. Tratava de unha por unha. Cada singelo pêlo daquele corpo era dela. Dela e somente dela. Só ela merecia aquele corpo, aquela alma. Gostava de passar o tempo arrumando a mente. Separava os pensamentos em gavetas. Tudo muito organizado. Fácil de encontrar quando quisesse ou precisasse. Tudo arrumado por temas, tudo separado em ordem alfabética. Possuía naquela mente tudo quanto é tipo de pensamento. Quanto pensamento cabia em um espaço fisicamente tão pequeno! Criava pensamentos novos todos os dias. Às vezes modificava pensamentos antigos. Mas sempre guardava o original, é claro. De vez em quando tentava colocar em palavras alguns artigos interessantes que encontrava em uma de suas gavetinhas. Claro que nunca dava certo. Quando posto em palavras, o pensamento tornava-se irreconhecível. Ela chegava a se envergonhar por trabalho tão mal-feito, esse, de transformar os pensamentos em palavras. Ela não gostava de expor seus pensamentos em nenhuma conversa. Um humano consegue ser tão sábio dentro da própria ignorância... Por isso ela só ouvia. Ouvia e armazenava tudo. Possuía um enorme armário inteiro de pensamentos alheios, cheinho de gavetas. Algumas vezes roubava um pensamento alheio e o fazia seu. Não queria ser compreendida. Não importava se não a ouvissem. Ela queria se ouvir. Ela tinha ânsia em compreender a si própria. Isso lhe bastava. Sentia vontade de devorar a própria alma. Mastigar o próprio corpo. Célula por célula. Fazer uma longa digestão de si mesma. Gostaria de deitar no próprio colo. Ser abraçada por ela. Sentir seu próprio toque, poder segurar seu próprio rosto nas mãos e beijar-se. Ninguém merecia fazer isso com ela, a não ser ela mesma. Ela era a única que merecia tê-la nos braços, que merecia carregá-la no colo. Ela era a dona de si. Era exatamente isso o que sentia. Ela era dela. E de mais ninguém.

R.L.A.

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