Foi veterinária por cerca de doze anos. Depois abandonou a profissão, virou matemática por alguns meses, depois foi psicóloga. Depois nutricionista. Foi jornalista por algumas horas e juíza por alguns minutos. Foi também policial. Tatuou um enorme dragão nas costas, colocou piercing na língua. Depois tirou tudo, furou por alguns meses a sobrancelha e o nariz. Tatuou estrelinha na nuca. Depois enjoou e apagou. Praticou natação e quis ser nadadora. Depois quis ser jogadora de basquete, foi jogadora de vôlei por algum tempo. Aí quis jogar futebol. Foi boxeadora, também. Sonhou que era escritora. Sonhou ter unhas longas. E foi loira. Teve cabelos curtíssimos, depois compridos, ah, que tal um meio-termo? Se matriculou em um curso de espanhol, depois de francês, de italiano, de alemão! Aí achou melhor atuar. E atuou, cantou, foi centro de palco, amou de mentirinha. Depois parou. Quis aprender piano. Talvez violão, porque não bateria? Pode ser que se desse melhor dançando. E dançou. Dançou tango, dança de rua, valsa, funk. Fez coreografias com a prima, mais tarde com a amiga. Foi criança, teve mil bonecas, se jogou em cima do avô. Teve um cachorro que era maior do que ela. E uma cadela menor que ela também teve uma participação especial. Já teve peixes, alguns ela acabou assassinando por querer abraçar com seus dedinhos. Por alguns meses teve tartaruga, por alguns dias teve ratinhos. Não me lembro se já teve gatos. Acho que nunca se sentiu atraída por nada daquilo que remete à palavra ‘traiçoeiro’. Já viajou quase o mundo todo. Europa, Estados Unidos, ah, a Nova Zelândia...! Hoje? Passou uma semana na Argentina e se contenta em ser lingüista. O cachorro maior que ela morreu, ela não se joga mais nos braços do avô, porque não tem mais avô. Ser escritora ficou em sonho, na vida real as unhas são roídas até o sabugo. Não é mais loira, não toca nenhum instrumento e só sabe falar inglês. Piercing é só na orelha e no umbigo, tatuagens ainda são mera pretensão. Aí ela se lembrou da palavra ‘destino’, se interrogou sobre isso e não obteve resposta. Será que tudo estava escrito ou era ela que mudava tanto? Se estava escrito, quem escreveu era bastante paciente com essa menininha tão volúvel e mutável. Ou então quem escreveu quis brincar de criar uma pessoinha bem complicadinha e incompreensível. E ela achava que suas vontades e realidades não mudavam... pra quem achava isso, até que mudou bastante.
R.L.A.
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