Estava tudo tranquilo. A rotina estava totalmente enraizada no chão. Então, o relógio dá as doze badaladas. Era meia-noite. Era um novo ano. As reviravoltas estavam apenas começando. E a mistura de sentimentos também. Amor. Ódio. Paixão. Saudade. Paz. Solidão. Preocupação. Desespero. Raiva. Confusão. Ilusão. Cansaço. Sofrimento. Desequilíbrio. Alívio. Tudo isso passando dentro de uma cabecinha só. Um instante mudava tudo. E o próximo mudava tudo de novo. A rotina foi arrancada do solo como uma criança arranca uma flor. Nada era igual. Foi tomada de si. Entregou-se. Atirou-se sobre os minutos. Deixou que os dias a fossem levando como o vento leva as folhas. De repente, alguém veio por trás. Uma pancada na cabeça, ou um pano com dopante no nariz. Ela desmaia e é acorrentada. Uma perda de memória. Uma sala escura. Uma alma sequestrada. Todos a procuram, ninguém a encontra. Chegam a ponto de pensar em desistência. Quando todos achavam que aquilo se tratava de um caminho sem volta, que a tinham perdido para sempre, ela é libertada. Sai da sala escura, reconhece uma imagem. A sua imagem. Aquele espelho a fez parar, ofegante. Lágrimas brotavam de seus olhos assustados, lhe corriam o rosto e morriam em seus lábios trêmulos. Lágrimas contendo dor. Lágrimas contendo amor. Ela corre para ver o sol, que há tanto tempo não via. O vento vem lhe beijar a face. O mar toca seus pés. Um anjo lhe sorri. Suportou tudo com a maior das dignidades. Com a maior das superações. A fé. Fé em Deus, fé naqueles a quem amava, fé na vida, fé em si. A alma era maior do que o corpo. Era maior do que o mundo. Os pensamentos iam do chão ao céu e voltavam em fração de segundo. A cabecinha suportou toneladas e toneladas de pensamentos. Memórias. Uma briga interna, um conflito que não conseguia achar razão. Não havia meio. Não sabia como. Não sabia o quê, por quê, quando, onde. E de que importava? Agora estava livre. E bastou piscar os olhos para o relógio badalar doze vezes. Era meia-noite, era um novo ano.
R.L.A.
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