Let's travel?

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Entre sem bater.

sábado, 12 de março de 2011

Engraçada alegre nostalgia.

Hoje chorei de saudade. Ao entrar naquela casa fantasmagoricamente vazia, foi como se um filme de toda uma vida passasse pela minha mente em duas frações de segundo. Um filme delicioso, porém cujo final esvazia os telespectadores. Naquele instante, lembrei-me do começo de tudo, quando o aparador de mesa ainda era maior do que o topo da minha cabeça. Lembrei-me de quantos sorrisos eu havia dado dentro daquela casa, onde antes já houvera tanta vida. Uma indefinível sensação de estranheza tomou conta de mim. Como pode um tudo ter se transformado em nada, em uma só volta do ponteiro do relógio? O cheiro daquela casa me causou vertigens. Trouxe-me à tona cada momento que ali vivi. Pude ouvir a voz dele em meu ouvido, clara como água. Ele me pedia um suco de abacaxi. Quantos sucos de abacaxi eu fizera para ele naquele jarro. Quantos bolinhos de chuva havíamos fritado juntos naquele fogão – depois de fritos, colocávamos muito, muito açúcar. Abri uma gaveta e encontrei um disco. Aquele disco era a figura dela para mim - uma mulher distinta, diferente de todas. Pude ouvi-la assoviando para os passarinhos naquele quintal arejado e claro, hoje abandonado à poeira. Como eles gostavam daqueles passarinhos. E hoje a gaiola, vazia, repousa em um canto qualquer da casa. Os passarinhos morreram junto com todo o tipo de vida que havia na casa. Havia a mesa da cozinha. Quantas vezes eu havia jogado carteado com ela naquela mesa. Eu sempre a vencia. Ela era um alguém único, indecifrável e incompreendida. De alguma forma, eu a amava. Em algum lugar do fundo da minha alma, estava guardado o amor e o carinho que por ela eu sentia. Mas ele, ah!, ele. Ele era o meu chão, a minha base, o meu heroi, ídolo, exemplo, ele era a pessoa que eu mais amava nesse mundo. Eu era capaz de fazer qualquer coisa por ele. Perto dele eu sentia algo que não tenho como definir. Amor, aquilo sim era amor, um amor incondicional, um amor sincero, sim, era amor. Hoje percorri cada centímetro daquela casa. A casa era a única lembrança concreta de como eu fui feliz. Naquela sala, eles haviam aplaudido nosso espetáculo infantil, com direito a figurino , texto e coreografias... ainda consigo sentir o cheiro das cortinas feitas com lençóis limpos, que abriam e fechavam nosso espetáculo. Ainda sinto o cheiro do bolo de milho da padaria, que ele sempre comprava para nos agradar. Sinto o cheiro da madeira de dentro daquele guarda-roupas... Quantas vezes me escondi lá dentro, dentre os vestidos estampados, e ninguém me achava – era assim que eu sempre vencia o esconde-esconde. No quarto de empregadas ainda restava uma daquelas bolas de plástico que tanto nos divertiam, antes de o chute ser forte demais e ela ir parar na casa do vizinho. Sinto o gosto do Natal que passamos naquela mesa bem-arrumada, com guardanapos coloridos dentro dos copos. Sinto o gosto dos nossos lanches de fim de tarde, acompanhados por aqueles refrigerantes de marcas que só ele comprava. Poderia durar pra sempre, mas não poderia ter sido melhor. Sou feliz por ter sido feliz. Sou feliz por tê-lo amado o máximo que fui capaz. Agonizante pensar que não volta mais. É como se tivessem arrancado uma parte de mim. Injusto não me sentir bem, simplesmente porque foi tudo maravilhoso enquanto ele esteve ali. Hoje, revisitando a casa e a história, sinto uma mescla de sentimentos, que não sei se predominantemente bons ou ruins. Sinto uma engraçada alegre nostalgia. Por ter acabado. Por ter existido.


R.L.A. - para ele, para ela, para a fantasmagórica casa vazia.

Um comentário:

  1. Pude sentir "o cheiro" de cada momento.
    Como foi bom, como é bom saber que você leva consigo todas essas lembranças. TE AMO!!!

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