Let's travel?

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Entre sem bater.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Mais que a mim. Muito mais.

Eu tinha quatro anos na época, quando recebi a notícia: seria substituída. E não era qualquer substituição: seria uma substituição completa, eterna, irreversível. Para uma criança como eu era, foi difícil. Ainda me lembro da maciez da cama em que tanto chorei naquela noite de agosto. Era o quinto dia do mês. Estrelada noite de inverno, cenário da vinda dele ao mundo. Não, eu não queria vê-lo. E como eu gritava! Era simplesmente inaceitável que eles, que tanto me diziam amar, me trocassem tão abruptamente, como se fosse algo natural. Contra minha vontade, fomos conhecê-lo, o meu substituto. No caminho, adormeci em lágrimas de desespero. Entramos naquele quarto irremediavelmente gélido, onde os encontramos: eles, os que me diziam amar, e o pequeno “ele”. Quanta raiva eu trazia. Não era possível, era inacreditável que eu fosse ser trocada por aquele pedacinho de gente que mal abria os olhos, e mais parecia uma de minhas bonecas. Disseram-me, então, para pegá-lo no colo. Sentindo o peso e o calor daquele corpo em meus braços, tão de perto, ele parecia de alguma forma afastar a minha raiva. Ele parecia tão frágil, com suas manchinhas na pele e seus cabelos loiros e finos. Mas ele continuava sendo o meu substituto, o que estava puxando o meu tapete. O que estava roubando de mim todos aqueles a quem eu amava, e que me amavam também. Aquela noite tatuou-se em meu peito. Aquela noite mudaria minha vida para sempre – anos depois eu viria a descobrir o real por quê. Fomos para casa – eles, eu, e ele. Toda a atenção e os cuidados deles voltavam-se para ele. E o tempo foi passando, e ele foi ficando mais alto, foi aprendendo a andar, a falar, a comer – e a irritar. Foi ai que o pesadelo começou. Brigas ininterruptas, discussões incessáveis. A intolerância mútua tornou-se insustentável. A culpada era sempre eu. Eu nunca fora boazinha, e sabia disso, mas ele me enlouquecia a cada minuto mais. Não podíamos dividir o mesmo raio de dez metros. E eu ouvia deles: “um dia, você vai amá-lo . Vai amá-lo com todas as forças que você tiver.” Impossível. Eu jamais seria capaz de amá-lo. Ele não me trazia benefício algum, além do mais, só a presença dele já me enfurecia. Eu não me cansava de repetir para ele “eu te odeio, eu te odeio, te odeio!’’ E assim passaram-se dias, meses, anos. Vieram dias bons e dias ruins. Momentos felizes, momentos desesperadores. Algo começou a me intrigar: em todos esses momentos, ele estava lá. E sempre estaria. Em cada momento bom, ele comemorou comigo. Em cada momento ruim, ele chorou comigo. Quando mais precisamos, nos abraçamos. E sempre se repetia: em qualquer situação diferente da nossa rotina, toda a raiva e aborrecimentos que sentíamos um em relação ao outro eram, simplesmente, esquecidos por alguns instantes. Crescemos. Vieram perdas, ganhos, mudanças. Passamos a perceber que podíamos ser úteis um ao outro muitas vezes. Ele começou a me procurar para muitas coisas; e eu comecei a gostar da ideia, e passei a procura-lo também. Agora, estar perto dele não era mais uma obrigação: tornara-se uma necessidade. Mesmo quando podíamos , até mesmo quando devíamos ficar separados, passamos a optar por estarmos juntos. E foi florescendo um sentimento. Um sentimento bom. Será que era isso que chamavam de amor? Quem sabe. A única certeza que eu tinha era de que eu o defenderia de tudo e todos. Eu daria minha vida por ele, e talvez só por ele. Eu mataria e morreria, se preciso fosse. Eu gostaria que ele nunca tivesse dúvida alguma da importância dele para mim. Ele significava tudo, ele era a minha vida. Acho que era amor, então. Um amor tão profundo e incondicional que chegava a doer, de tão forte. De tão intenso, puro e sincero. Ele era tão lindo. Eu seria capaz de passar o resto dos meus dias só olhando para ele. Cada respiração dele me fascinava. Cada sorriso dele me apaixonava. Eu ficava boba perto dele. Me perguntava se alguém seria capaz de me amar como eu o amava. Se ele era capaz de me amar um milésimo do quanto eu o amava: o que já seria infinito. Eu não tinha certeza de nada mais: só de que eu o amava. E muito. Sim. Eu o amava mais que a mim.


R.L.A. , para ele, por quem sinto o amor maior do mundo.

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